sábado, 20 de outubro de 2012

Gato num apartamento vazio - Homenagem Manuel António Pina


Morrer não é coisa que se faça a um gato.
Que há-de um gato fazer
num quarto vazio?
Subir às paredes?


Roçar-se nos móveis?
Aparentemente não mudou nada
e no entanto está tudo mudado.
Continua tudo no seu lugar
e no entanto está tudo fora do sítio.
E à noite a lâmpada já não está acesa.

Ouvem-se passos nas escadas,
mas não são os mesmos.
A mão que põe o peixe no prato
também já não é a que o punha.

Há aqui qualquer coisa que já não começa
à hora do costume,
qualquer coisa que não se passa
como deveria passar-se.
Havia aqui alguém que há muito estava e estava
e que de repente desapareceu
e agora insistentemente não está.

Procurou-se em todos os armários,
revistaram-se as estantes,
espreitou-se para debaixo do tapete.
Violou-se até a proibição
de desarrumar os papéis.
Que mais se pode fazer?
Dormir e esperar.

Quando regressar, ele vai ver.
Ele vai ver quando chegar.
Vai ficar a saber
que isto não é coisa que se faça a um gato.
Caminhar-se-á em direcção a ele
como que contrariado.
Devagarinho,
com patas amuadas.
E nada de saltos ou mios. Pelo menos ao princípio.

Wislawa Szymborska
Tradução: Manuel António Pina
Ilustração de Jacques Hnizdovsky
1943 / 2012











1 comentário:

Unknown disse...

Eu gosto de animais, quando eu era criança na minha casa tínhamos muitos cães e gatos. Mas desde que eu moro em um apartamento, percebi que é impossível ter animais. Eu acredito que os animais sofrem muito por ter um espaço tão pequeno para viver.